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O filme “O Abutre”é aqui e agora

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Os gaúchos (meus conterrâneos) se orgulham muito do bairrismo e da tradição daqui do Estado. Já eu, acho que essas características fecham as nossas portas para o resto do Brasil, tornando-nos uma espécie de “feudo” que em absolutamente nada nos ajuda; muito pelo contrário. Porém, não posso deixar de usar um termo marcadamente gaúcho (ou muito usado aqui em Porto Alegre) para definir o que fizeram, em Goiânia, com a divulgação das fotos do cantor sertanejo Cristiano Araújo e da sua namorada, mortos:aquilo foi uma chinelagem (esse é o termo).

Segundo o dicionário informal que se encontra na Internet, o termo significa “Chinelagem (Porto Alegre, RS): “Ato ou coisa mal feita, de baixo nível; sacanagem. O termo deve estar relacionado com o fato de que usar chinelos em determinados locais é visto como algo inapropriado ou coisa de quem é de ‘baixo nível’ (economicamente falando).”

A única discordância que eu tenho em relação a essa definição é aquela parte que liga a chinelagem a um “baixo nível econômico”. Não é verdade. Conheço uma senhora de uns setenta anos de idade que é a modesta chefe de caixas de um supermercado de bairro e que se comporta com a educação e a gentileza de uma lady inglesa, seja com quem for. E conheço gente com carro importado que só ouve funk, e naquele volume bagaceiro. Então chinelagem não tem a ver com pobreza e nem com “falta de colégio” (ou curso superior), mas com zero de educação e com tudo que isso traz: falta de bom senso; excesso de burrice; ausência de gentileza; grosseria; rompância deliberada, falta de noção e de sensibilidade, carência destrutiva e uma ânsia desesperada de aparecer a qualquer preço.

E já que falei em funk, aproveito para confirmar que abomino o próprio funk, assim como o axé, o pagode e o sertanejo. E que curto todo o resto, incluindo ópera, tango, rock (inclusive heavy), MPB, samba, música regional (gaúcha, paulista, matogrossense ou nordestina, etc…) e outros tantos.

Não gostando de sertanejo, não hesito em dizer que – até a sua morte – não fazia a menor ideia de quem fosse o Cristiano Araujo, morto no acidente. Assim como nada entendo de Luan Santana, Gusttavo Lima (assim mesmo, com “dois t”? Tem certeza? Não estou dizendo que é dureza?) e outros. Bruno e Marrone, Zezé Di Camargo e Luciano, Daniel e outros; todos me fazem vomitar. Uma vez, no auge do “Ai se eu te Pego”, fiz questão de ficar DE COSTAS para um show do Michel Teló no Festival Planeta Atlântida. Não gosto mesmo. De carteirinha.

No entanto, isso das fotos do cantor morto não tem a ver com gosto musical, mas com “gosto pela Humanidade”. Ou, no mínimo, e se você não for religioso (e eu não sou), tem a ver com algum respeito pela família (e pela dor dessa família) de quem já morreu. Sem contar o mau gosto de se mostrar fotos de gente sendo aberta num necrotério ou; a extrema chinelagem daqueles que o fizeram, uma selfie (malditas sejam, todas elas…) tirada ao lado de um cadáver.

Tudo isso passou dos limites há muito tempo  e não tem hora pra acabar. É o estímulo à ignorância, coroado pela escassez cultural. O cérebro de minhoca derrubando a inteligência. Uma gente rala e superficial, que não vale o cocô que expele. Uma burrice de novela brega da Globo. Um BBB (ou “A Fazenda”, que seja) permanente.

O filme americano O ABUTRE (título original Nightcrawler) trata um pouco disso. Numa tradução literal das duas palavras que compõem o título original (night + crawler), teríamos algo como “rastreador noturno”.

Pois nesse filme de 2014 (que tem em DVD), um sujeito desocupado e que até então vende sucata (geralmente roubada; fios de cobre e tampas de bueiro de ferro), descobre que é melhor ser “jornalista” (um apelido bacana) no agitado submundo do jornalismo criminal independente de Los Angeles. Ele é uma espécie de paparazzi sanguinário que, ao invés de caçar fotos e vídeos de celebridades, fareja tragédias. Ligado na frequência de rádio da polícia ou dos paramédicos, chega primeiro à cena do crime; ao local do acidente; ao prédio incendiado. Por “casualidade” chega lá, filma tudo, e leiloa as imagens para quem lhe pagar mais por elas e, assim, aumentar a audiência dos canais sensacionalistas. Que aí divulgam cenas de gente morrendo (na exata hora em que morrem), crimes, acidentes graves.

Mais ou menos como aquelas cenas que presenciamos, nesta semana que passou, em São Paulo, com um policial militar executando a tiros um garoto que perseguia de moto e que jogou contra esse policial um capacete. Nem vou entrar no mérito disso. Foi só para dar um exemplo.

O tal “jornalista-abutre”,  está muito bem feito pelo ator JAKE GYLLENHAAL (um dos caubóis gay de O Segredo de Brokeback Mountain, lembra?), que inclusive tem um aspecto físico fraco e uma personalidade sem caráter. O tipo de cara que dá o tapa e esconde a mão, não enfrenta ninguém diretamente. Sorri pra você te odiando, mas só te apunhala se for pelas costas. Daqueles que apertam a mão da gente de forma frouxa. Altamente traiçoeiros. E, com essa personalidade, ele faz dessa voracidade pela desgraça o seu ganha-pão e passa a gostar do negócio. A tal ponto que começa, inclusive, a “produzir fatos” que possam se transformar nas suas “notícias inéditas” e sensacionalistas, o que é até meio previsível que vá acontecer e já é um clichê do cinema.

Essa suposta “liberdade” de veicular tudo o que se quer no Brasil, e até as imagens daquilo que se bem entender inclusive vilipendiando cadáveres, está sendo ampliada por deficiências – creio eu – de uma gradual e maior ausência de atividade das autoridades, Polícia e Judiciário.

 

Não interessa de quem é a culpa por esse afastamento, mas estamos carecas de saber que um Boletim de Ocorrência na Polícia é uma mera providência burocrática e cartorária, sem qualquer compromisso com a investigação dos fatos.

Num processo judicial penal isso fica um pouquinho mais encorpado, e até rende mais dores de cabeça (ou “idas ao fórum”) aos implicados. Mas como a condenação – lá no final – irá depender mais uma vez da Polícia e, depois, do sistema prisional, não há nenhuma garantia de que toda essa lenga-lenga vá ter algum resultado. Já num processo judicial na esfera cível, e no consequente pedido de indenização (vale dizer, grana), pode-se até ganhar alguma coisa se o ofensor não for muito “esperto”. Se ele for “esperto” (ou um picareta escolado), na hora de tentarmos ganhar alguma indenização ele já não terá mais bens no seu nome ou jamais será encontrado. Estamos meio ao “Deus dará”.

Não é por falta de Legislação. Legislação tem bastante e aplicável agora mesmo. Então se as coisas estão do jeito que estão; saiba, alguém não está fazendo a lição de casa.

Estou em vias de fazer um contrato para a filmagem de um longa-metragem sobre a vida de uma pessoa (um jovem) que já morreu. Os pais do garoto terão de assinar e estabelecer as regras daquilo que poderá, e do que não poderá, ser utilizado pelo roteirista e pela diretora do filme (que foi quem me contratou).

Isso começa na Constituição Federal. O artigo 5º, inciso X diz que “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” e a foto (ou o nome, ou um vídeo) de alguém que já morreu entra tanto em “intimidade” quanto em “honra”, sem contar o dano moral evidente.

Depois, também tem o Código Civil. Nos seus artigos 11 e 12, ele diz que os “direitos de personalidade” (imagem, nome, fama, reputação, etc…) são intransmissíveis e irrenunciáveis (ou seja, não podem ser transmitidos definitivamente a ninguém). E que se pode exigir que cessem qualquer ameaça ou lesão a esses direitos, podendo-se reclamar também perdas e danos. Isso tudo “sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. Quer dizer, além de pagar uma indenização, você ainda pode – se a sua conduta ferir alguma lei específica – ser impedido de exercer algum direito. O de ser dono de um veículo de comunicação ou algum órgão assemelhado, por exemplo.

 

Já o artigo 20 do mesmo Código Civil, diz que “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a (…) a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”  O artigo complementa que (e é o caso do cantor Cristiano Araújo) “Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”. Ou seja, a esposa; os pais e irmãos ou os filhos poderão exigir a proteção da imagem do falecido.

Por fim, o art. 21 diz que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma” se aplicando o mesmo do artigo anterior, no caso de pessoa morta.

E não enxergue tudo isso tão distante que não tenha nada a ver com você. Porque tem. Essas regras valem não apenas para os órgãos sensacionalistas; os blogs mais conhecidos ou o Youtube. Replicar essas imagens no seu Facebook, Instagram ou WhatsApp tem o mesmo efeito.

Quando se trata da imagem alheia; de mortos ou de vivos, sem autorização, na divulgação “de uma brincadeirinha” ou na Publicidade, é melhor termos cuidado para não nos tornarmos mais um ABUTRE desses que andam por aí.


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